A infecção do trato urinário (ITU) ocorre devido à colonização e multiplicação das bactérias nos rins e nas vias urinárias, e engloba um espectro de condições clínicas e patológicas de várias partes do trato urinário, apresentando uma diversidade de manifestações clínicas, podendo variar desde uma bacteriúria assintomática até um abscesso perirrenal com sepse 1,9.
A instalação da ITU como, também, sua cronificação e recorrência podem ser avaliadas, pela via de infecção, agente infectante e fatores ligados ao hospedeiro. É comum o processo infeccioso originar-se da via ascendente, pela qual as bactérias penetram na uretra, atingem e colonizam a bexiga, sendo eliminadas pela ação do fluxo urinário, como um mecanismo antibacteriano. A maior parte das ITU permanece restrita à bexiga, porém, em alguns casos, o mecanismo valvar é insuficiente ou há algum tipo de obstrução, que permite a ocorrência de refluxo e, dependendo do inóculo e da defesa do hospedeiro, as bactérias podem atingir os rins, resultando no contato com a medula renal, cuja hipertonicidade impede o funcionamento adequado da migração, ocorrendo fagocitose leucocitória, o que facilita o estabelecimento da infecção 1.
Dentre as infecções febris na infância, as infecções bacterianas do trato urinário são as mais freqüentes e as que mais se destacam. Na etiologia destas infecções, as enterobactérias têm um papel importante, principalmente, a espécie Escherichia coli 1. Embora tenha, havido progressos no domínio dos antimicrobianos, tem havido, também, numerosos problemas com organismos resistentes a múltiplas drogas. Para minimizar a resistência bacteriana aos medicamentos, é preciso diagnosticar, avaliar e tratar adequadamente as infecções do trato urinário 9.
CLASSIFICAÇÃO DAS ITUs:
A ITU é classificada como não complicada, quando ocorre em paciente com estrutura e função do trato urinário normais, e é adquirida fora de ambiente hospitalar. As condições que se associam à ITU complicada incluem as de causa obstrutiva (hipertrofia benigna de próstata, tumores, urolitíase, estenose de junção uretero-piélica, corpos estranhos, etc); anátomofuncionais (bexiga neurogênica, refluxo vesico-uretral, rim-espongiomedular, nefrocalcinose, cistos renais, divertículos vesicais); metabólicas (insuficiência renal, diabetes mellitus, transplante renal; uso do cateter de demora ou qualquer tipo de instrumentação e derivações ileais 10.
As infecções agudas do trato urinário podem ser subdivididas em duas categorias anatômicas gerais: infecções do trato inferior (uretrite e cistite) e do trato superior (pielonefrite aguda, prostatite e abscessos intrarenal ou periférico) 11.
O espectro clínico de ITU é muito amplo reunindo diferentes condições:
Cistite aguda: é uma infecção, geralmente, restrita à bexiga acompanhada de sintomas uretrais típicos, como disúria, polaciúria, dor retropúbica e urgência miccional. Quando não tratada adequadamente, pode existir progressão da forma local de infecção urinária (cistite aguda) para a sistêmica (pielonefrite)
Pielonefrite: também denominada de infecção do trato urinário superior ou nefrite intersticial bacteriana, por refletir alterações anatômicas e/ou estruturas renais, decorrentes de um processo inflamatório agudo acometendo o rim e suas estruturas adjacentes 10. Os sintomas desenvolvem-se rapidamente, em alguma horas ou dias, e incluem febre, calafrios, náuseas, vômitos e diarréia. Durante a fase aguda, pode ser demonstrada hematúria. A maioria dos pacientes tem leucocitose significativa e bactérias detectáveis na urina 11.
Bacteriúria assintomática: é definida como a presença superior ou igual a 10 5 unidades formadoras de colônia de bactérias por mililitro de jato médio de urina limpa, miccionada, obtida em duas ocasiões separadas, em pacientes sem sintomatologia urinária 2.
Bacteriúria de baixa contagem: pode refletir: fase precoce de ITU em andamento; diluição urinária devido a maior ingestão de líquidos; crescimento lento de certos uropatógenos; ou síndrome uretral 10.
Síndrome uretral ou Síndrome Piúria-Disúria ou Abacteriúria sintomática: os sintomas de disúria e maior freqüência urinária são exuberantes, mas não se acompanham de urocultura positiva 10.
EPIDEMIOLOGIA
A prevalência da ITU é maior nas mulheres em todas as idades, exceto no primeiro ano de vida, quando é mais freqüente em meninos devido à colonização do prepúcio 6. Ocorre entre
Entre as mulheres adultas, a incidência e a prevalência da bacterúria estão relacionadas à idade, ao grau de atividade sexual e à forma da contracepção empregada. Aproximadamente 20% das mulheres apresentam pelo menos um episódio de ITU durante suas vidas, que, na maioria, apresenta-se clinicamente como cistite. Cerca de 1% das mulheres entre 15 e 24 anos de idade apresentam bacteriúria assintomática 8.
A maioria das infecções sintomáticas agudas é incomum em homens com menos de 50 anos. Já as assintomáticas, são mais comuns em idosos com taxas de
ETIOLOGIA
As ITU’s são causadas, na sua grande maioria, pelas enterobactérias aeróbias gram-negativas, presente na flora intestinal. Em termos globais, a Escherichia coli é seguramente o patógeno urinário mais comum, responsabilizando-se por 80% das infecções adquiridas na comunidade, seguida por Staphylococcus saprophyticus, Proteus mirabilis e Klebsiella pneumoniae. Nos pacientes hospitalizados, a distribuição dos patógenos é diferente, estando a E. coli responsável por 50%das infecções, seguida por Klebsiella, Providencia, Enterococcus, Enterobacter, Citrobacter, Pseudomonas aeruginosa e S. epidemidis 9.
PATOGENIA
As ITUs que acometem homens e crianças, geralmente, estão associadas a alterações anatômicas ou funcionais do trato urinário, o mesmo não acontecendo com o sexo feminino, pois a maior parte das mulheres acometidas é supostamente saudável 6. As infecções podem ocorrer como infecção isolada; apresentar recorrência em intervalos variados, com diferentes organismos que colonizam a vagina e o períneo; apresentar recorrência após o tratamento ou persistir, a despeito do emprego adequado do antimicrobiano. Persistência bacteriana: corresponde a uma infecção inadequadamente tratada ou reinfecção do intróito vaginal. Infecção urinária recorrente: ocorre colonização da uretra e do intróito vaginal com enterobacteriacease oriunda da flor retal. Reinfecção: devido à baixa complacência ao medicamento 7.
Os fatores que predispõem à colonização periuretral por bacilos gram-negativos, permanecem pouco compreendidos, mas alterações na flora vaginal normal por antibióticos, outras infecções genitais ou contraceptivos (especialmente espermicidas) parecem desempenhar papel importante. A perda de lactobacilos produtores de H 2O 2 normalmente da flora vaginal parece facilitar a colonização de E. coli 11.
O desenvolvimento da infecção depende de múltiplos fatores envolvidos na relação bactéria-hospedeiro:
Fatores bacterianos:
Virulência:
- resultado de produtos bacterianos (hemolisinas e proteases);
- fatores aderenciais aos receptores uroteliais.
Fatores não predisponentes do hospedeiro:
- flora bacteriana normal, especialmente os bacilos de Döderlein, compete com os uropatógenos;
- o pH ácido da vagina dificulta a aderência bacteriana;
- a micção é um fator mecânico eficiente na remoção das bactérias que eventualmente penetrem na bexiga;
- a presença de altas concentrações de uréia e ácidos orgânicos, bem como o pH ácido de urina dificultam o crescimento bacteriano;
- a proteína de Tamm-Horsfall, um uromucóide produzido pelo trato urinário, dificulta a aderência bacteriana 6.
Fatores predisponentes do hospedeiro:
- obstrução do trato urinário: a estase urinária leva a condições propícias de proliferação bacteriana e a própria distensão vesical reduz a capacidade bactericida da mucosa;
- o refluxo vesico-uretral : inserção lateral do ureter na bexiga, sem constrição adequada, durante a contração do detrusor, permitindo refluxo de urina quando ocorre a micção e manutenção de posterior volume residual, propício à proliferação de bactérias;
- Cateterização urinária: a presença do cateter na uretra remove os mecanismos de defesa intrínsecos do hospedeiro, tais como: a micção e o eficiente esvaziamento da bexiga 5,10;
- Gravidez: as transformações anatômicas (compressão extrínseca dos ureteres) e fisiológicas (redução da atividade peristáltica provocada pela progesterona) que ocorrem no trato urinário, durante a gravidez, facilitam o desenvolvimento de infecções urinárias 3;
- Diabetes mellitus: não existem evidências de que freqüência de ITU sintomática seja maior em indivíduos diabéticos, quando comparada aos indivíduos normais do mesmo sexo e faixa etária. Porém, certas complicações clínicas, como pielonefrite enfisematosa, abscesso perinéfrico e necrose papilar são muito mais comuns em diabéticos 10;
- Relação sexual e métodos contraceptivos: a uretra feminina parece ser particularmente propensa à colonização por bacilos gram-negativos, devido a sua proximidade do ânus, ao seu comprimento curto e à sua terminação sob lábios vulvais. O intercurso sexual causa a introdução de bactérias dentro da bexiga podendo levar a uma cistite. Além disso, o uso de espermicidas com o diafragma ou um preservativo revestido por espermicida altera, acentuadamente, a flora bacteriana, facilitando a colonização por E. coli 11.
DIAGNÓSTICO LABORATORIAL
Há infecção urinária quando se detectam por volta de 10 5 microorganismos patogênicos na urina, na uretra, bexiga, rins ou na próstata 11. Em relação ao odor da urina, é observado um odor amoniacal, que está presente quando existem bactérias capazes de transformar nitrato em nitrito, tais como Citrobacter spp., Enterobacter spp., Proteus spp., Morganella morganii, entre outros 4.
Deve-se realizar Urocultura quantitativa, coloração de Gram ou teste diagnóstico rápido (fotometria, bioluminescência)