terça-feira, 16 de agosto de 2011

O HEMOGRAMA NAS INFECÇÕES ( Parte I )

Autores: Antonio Carlos Lopes e Helena Zerlotti Wolf Grotto

Várias alterações hematológicas são observadas nos quadros infecciosos, dependendo do agente etiológico, extensão e local da infecção. As possíveis alterações observadas ao hemograma quanto à composição e morfologia dos leucócitos correspondem à cinética e função das células envolvidas nos processos de defesa contra um determinado agente infeccioso. Assim, os neutrófilos têm ação microbicida importante contra bactérias, enquanto os macrófagos agem contra agentes intracelulares (protozoários e bactérias intracelulares). Os eosinófilos, por sua vez, têm ação citotóxica contra helmintos, e os linfócitos T participam efetivamente da resposta contra agentes intracelulares como vírus, protozoários e bactérias intracelulares.

Infecção bacteriana
Bactérias intra e extracelulares apresentam formas distintas de resposta imune.
Bactérias intracelulares: tendo como exemplos a M. tuberculosis e a M. leprae, é sabido que essas bactérias penetram nos macrófagos e estimulam tanto células TCD4+ como TCD8+. A s células TCD4+ são estimuladas a desenvolver uma resposta do tipo Th1, com secreção de IFN-g que ativará os macrófagos a produzirem óxido nítrico (NO) e, conseqüentemente, destruir a bactéria. Assim, nas infecções por bactérias intracelulares, a neutrofilia não é esperada como regra. Na tuberculose, por exemplo, grandes neutrofilias, caracterizando as chamadas reações leucemóides, são observadas na fase disseminada da doença (tuberculose miliar). No outro extremo, a neutropenia pode se manifestar nos pacientes com esplenomegalia. Nesses casos, em geral, o paciente apresenta anemia e plaquetopenia associadas. A monocitose, por sua vez, é uma manifestação freqüente nos pacientes com tuberculose.
Bactérias extracelulares: são responsáveis pela maioria dos casos de infecção bacteriana e suscitam diferentes mecanismos de defesa. Quando as barreiras naturais como pele, mucosas, pH gástrico, etc. são rompidas pelas bactérias, mecanismos imunes inatos e adquiridos são acionados de maneira sincronizada, na tentativa de bloquear a invasão do microrganismo.
O início do processo inflamatório se dá pela migração dos neutrófilos e macrófagos ao local da infecção. Essas células vão fagocitar e destruir o organismo invasor, com a ajuda de anticorpos presentes no soro do hospedeiro e do sistema complemento que, entre outras funções, participa do processo de opsonização da bactéria, promovendo a fagocitose pelos neutrófilos e macrófagos. Os neutrófilos são atraídos a passarem do sangue para o local da infecção pela ação de moléculas quimioatraentes e, por possuírem receptores específicos que se ligam à região Fc da imunoglobulina G (Ig G) e proteínas do sistema complemento, ligam-se à superfície bacteriana, facilitando o processo de captação e morte do microrganismo.
Ao mesmo tempo, a bactéria e seus produtos são captados pelos macrófagos e outras células apresentadoras de antígenos e são transportadas aos linfonodos, onde as células B são estimuladas para se diferenciarem e produzirem anticorpos que neutralizam as toxinas e promovem uma fagocitose mais eficiente, participando do processo de opsonização. Várias citocinas participam da defesa contra as bactérias, como o TNF-a, IL-1 e IL-6. Elas induzem a febre que inibe a multiplicação bacteriana e aumenta a expressão de moléculas de adesão que facilitam o processo de “rolagem” dos neutrófilos sobre as células endoteliais no local da lesão, com posterior passagem para os tecidos. Além disso, o monócito estimulado pela presença de endotoxinas, libera TNF e IL-1 que atuarão sobre as células endoteliais e fibroblastos. Células endoteliais, fibroblastos e monócitos estimularão a liberação de IL-6 e de fatores de crescimento celulares como CSF-GM, CSF-G e CSF-M, estimulando a leucopoiese.
A mobilização intensa dos neutrófilos, inclusive dos estoques medulares na defesa contra as bactérias, explica a freqüência do aparecimento da neutrofilia no hemograma de pacientes infectados por bactérias gram-positivas como penumococos, estafilococos ou estreptococos (Fig. 3.1). Dependendo do grau de estímulo, células mais jovens da série granulocítica podem ser liberadas precocemente da medula óssea, caracterizando o “desvio à esquerda”.
Por outro lado, infecções causadas por bactérias gram-negativas, particularmente aquelas que resultam em bacteremia, cursam com neutropenia, provavelmente em decorrência de uma maior aderência dos neutrófilos ao endotélio dos vasos ou uma maior utilização no local da infecção.
Algumas infecções bacterianas caracterizam-se pelo acometimento da série vermelha, caracterizada pela presença de processo hemolítico. É o que pode ser observado na infecção pelo Clostridium perfringens, bactéria gram-positiva que produz uma a toxina (lecitinase), que além de ser responsável pela gangrena gasosa e a mionecrose que os pacientes apresentam, tem atividade hemolítica. No hemograma são observadas as características de anemia hemolítica, com presença de esferócitos e hemácias contraídas resultantes da lesão das células pelos produtos da bactéria. Já a anemia hemolítica, associada à infecção pela Mycoplasma pneumoniae, é do tipo auto-imune em que auto-anticorpos frios policlonais, em geral do tipo IgM, que são mais eficientes em fixar o complemento em temperaturas mais baixas, aderem à membrana da hemácia na circulação periférica, destruindo a célula. No hemograma são observados microesferócitos e hemácias policromatófilas e é marcante a presença de grumos de hemácias aglutinadas. O VCM pode apresentar valores falsamente elevados em razão da presença dos grumos de hemácias.

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